E quando ninguém nos lembra?...
Estamos a deixar esmorecer a nossa escrita, os nossos pensamentos, a partilha deles?... Ou simplesmente estamos submergidos em tanta coisa nova, num cansaço característico, em turnos que dão connosco em malucos?...Hoje entrou um senhor para o serviço (um dos três que entrou). Ao olhar para ele perguntei a mim mesma se poderia estar aquele senhor vivo... se poderia aquele senhor sentir, encontrar paz dentro de si... um bocado, nem que seja uma réstia de felicidade para se agarrar a esta vida... A resposta imediata foi não. Sem ninguém que o lembre cá, um fantasma que vagueia sozinho pelas ruelas da vida, e que agora só pode estar a sofrer. Magro, anquilosado, parecia um corpo de uma criança envelhecida deitado numa cama de um serviço de adultos. Respira, tem pulso (ainda que até este parece esconder-se por trás das rugas do seu pescoço)... Temos de entubá-lo e canalizar-lhe uma veia periférica... não será tortura? Mantê-lo preso a uma vida que interrogo, apenas porque não o podemos deixar partir. Compreendo e não compreendo.
A morte espreita a cada segundo e leva com ela o sofrimento atroz a que algumas daquelas pessoas estavam submetidas. Leva com ela as lágrimas de quem fica e lembra com carinho. Leva os momentos que já foram. Leva um corpo e uma alma. Fica no entanto a memória de quem era aquela pessoa... e morre verdadeiramente, quando morre a última pessoa que a lembra.
E quando ninguém nos lembra?... Quando a nossa morte marca o fim da nossa existência por cá?
A solidão é o pior castigo, a pior dor, a pior morte. Sós, por cá, ainda que com pulso e frequência respiratória... estamos mortos.
E quero poder dizer-lhe ao ouvido: "eu ficarei cá e lembrar-me-ei de si".
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